A responsabilidade trabalhista do dono da obra em contrato de empreitada – OJ 191 (SDI-1) e Tema n° 6 (IRR) do TST

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O contrato de empreitada tem como característica a encomenda e entrega de um resultado, uma obra ou serviço, pronto, finalizado, seja a título próprio ou por alguém interposto, e mediante remuneração. Rege-se por ampla autonomia e encontra previsão na legislação civil – em especial, arts. 610 e seguintes do Código Civil de 2002. 

Desvincula-se, assim, de conceitos de subordinação e até mesmo de pessoalidade, característicos do vínculo empregatício. O prestador pode se configurar como pessoa natural ou jurídica, e se compromete com a entrega de obra determinada, o que se opõe a uma obrigação de meio, no qual o sucesso, o resultado do contrato não é condição. Assim, afasta-se do contrato de emprego, que explora a atividade do empregado no tempo (em regra, de forma indeterminada), que requer necessariamente a pessoalidade do empregado e que não necessariamente se vincula a um resultado específico. Afasta-se também da prestação de serviços, uma vez que o tomador do trabalho na empreitada se importa com a obra pronta, entregue, e não com a continuidade da tomada da atividade contratada.

A CLT prevê, em seu art. 455, a responsabilidade patrimonial do empreiteiro por verbas eventualmente inadimplidas pelo subempreiteiro, na relação deste último com os empregados que eventualmente contratar. A Consolidação das Leis do Trabalho não especifica a modalidade da responsabilidade (se solidária ou subsidiária), e não prevê a responsabilização do dono da obra. O diploma irá tratar novamente do referido contrato apenas para prever competência material da Justiça do Trabalho para julgamento dos dissídios que decorressem dos contratos em que o empreiteiro seja operário ou artífice (art. 652, inciso III) – o que foi ampliado pela redação dada ao art. 114 da CR/88 e seus incisos, após a EC n° 45/2004, de modo que todo contrato de empreitada poderá ser submetido à competência da justiça especializada.

O claro afastamento desse tipo de contrato das características do contrato de emprego havia estabelecido, em sede de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, entendimento consolidado de todas as suas turmas para a inexistência de responsabilidade patrimonial, seja solidária, seja subsidiária, do dono da obra de construção civil por eventuais inadimplementos trabalhistas do empreiteiro, por ausência de previsão legal para tanto. Restou previsto, assim, na Orientação Jurisprudencial n° 119 da Subseção de Dissídios Individuais-1 do TST o seguinte enunciado: 

“CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE. Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora”.

Apesar da uniformização do referido entendimento, com a última redação divulgada no DEJT em 27, 30 e 31/05/2011, pela Resolução n° 175/2011, poucos anos depois, o C. TST instaurou Incidente de Recurso de Revista Repetitivo n° TST-IRRR-190-53.2015.5.03.0090, nos termos dos artigos 896-B e 896-C da CLT, no qual voltou a debater a redação dada a essa OJ.

O referido incidente fora instaurado, inicialmente, voltado a identificar a compatibilidade da Súmula n° 42 do Eg. TRT3 com a jurisprudência do C. TST. A Súmula do regional mineiro restringia a aplicação da OJ 191 do C. TST às pessoas físicas e micro e pequenas empresas que não exercessem atividade econômica vinculada ao objeto contratado. Isto é, voltava a ampliar a responsabilidade dos donos de obra, caso tivessem porte médio ou grande, ou exercessem atividade econômica vinculada ao objeto da empreitada.

Nas razões de decidir do repetitivo, o C. TST invalidou interpretações que se aderissem ao enunciado do TRT3, uma vez que a tese da OJ 191 não se restringe a pessoa física ou micro e pequenas empresas. Porém, o TST aproveitou-se do incidente para ampliar o seu objeto de análise e aprofundar-se quanto à responsabilidade do dono de obra. Realizou-se, assim, enquadramento da responsabilidade dos donos de obra, em aplicação analógica do art. 455 da CLT (autorizado pelo art. 8º do diploma celetista), para fixar a sua responsabilidade subsidiária, quando houver contratação de empreiteiro sem idoneidade econômico-financeira e culpa in eligendo, salvo nos casos de contratação pela administração pública direta e indireta. Veja-se como constou a referida tese, foco da presente análise:

“RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – DONA DA OBRA – APLICAÇÃO DA OJ 191 DA SbDI-1 LIMITADA À PESSOA FÍSICA OU MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (…) 4ª) exceto ente público da Administração direta e indireta, se houver inadimplemento das obrigações trabalhistas contraídas por empreiteiro que contratar, sem idoneidade econômico-financeira, o dono da obra responderá subsidiariamente por tais obrigações, em face de aplicação analógica do art. 455 da CLT e de culpa in eligendo (decidido por maioria, vencido o Exmo. Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro)”.

O julgamento, disponibilizado no DEJT em 29/06/2017, deu-se poucos meses antes da vigência da Lei n° 13.467/17, ocorrida em 11/11/2017.

Repare-se haver tensionamentos do referido julgado, por uma série de motivos. Inicialmente, a Lei n° 13.467/17 rechaçou a criação de obrigações não previstas em lei por súmulas ou enunciados por parte do C. TST ou Tribunais Regionais, com a inserção do §2º ao art. 8º da CLT. Trata-se de enunciado que é decorrente do princípio da separação dos poderes e do princípio da legalidade. Outrossim, há notória expansão interpretativa de norma restritiva de direitos por parte do C. TST, o que vai de encontro ao princípio da interpretação restritiva das normas sancionatórias. 

Nesses termos, ressalta-se ter o próprio STF invalidado1, no âmbito da ADPF n° 501, a Súmula 450 do C. TST, que previa o pagamento em dobro das férias não remuneradas no prazo legal, ainda que houvesse a concessão apropriada do descanso ao empregado, por entender inapropriado o sancionamento analógico, no caso, diante de ausência de previsão legal. 

Outrossim, observa-se que a redação das teses do Tema nº 06 não fazem menção expressa à especificação dada pela OJ 191, que se direcionava ao dono de obra de construção civil, e não a donos de obra de forma genérica. Há, assim, distinção entre a ementa mais recente, do repetitivo do Tema 06 do IRR julgado pelo TST, com previsão geral, e a ementa da OJ 191 da SDI-1 do TST, com redação específica.  Além disso, questões como o ônus de prova da demonstração da culpa in eligendo e o que caracterizaria a situação de inidoneidade financeira-econômica restam nebulosas, com decisões e interpretações diversas por parte das turmas do C. TST.

É, portanto, razoável concluir pela necessidade de melhor apuração da redação dos referidos enunciados e sua adequação ao ordenamento jurídico, para conseguirem trazer previsibilidade e segurança jurídica aos jurisdicionados. Somente assim será possível alcançar a racionalidade necessária para a concretização dos direitos sociais, de modo apto a orientar todos os agentes (advogados, magistrados, partes), de modo a diminuir a litigiosidade no país, no tópico em questão, a multiplicidade de interpretações e criar um ambiente jurisdicional pacificado.

Belo Horizonte-MG, 13 de agosto de 2025.

Luan da Rocha Guerra 

OAB MG-215.908

  1. (ADPF 501, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 08-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163  DIVULG 17-08-2022  PUBLIC 18-08-2022) ↩︎

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