40 anos da Ação Civil Pública

A Lei da Ação Civil Pública – “ACP”, promulgada e publicada em 24 de julho de 1985, sob n. 7.347, completou recentemente 40 anos de vigência.

O objeto da ACP é tratar sobre os meios de proteção por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social. 

Considerando-se a edição da Lei de Ação Popular (Lei 4.717, de 1965), a promulgação da própria Constituição Federal de 1988, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069 de 1989) e, posteriormente, o próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.069 de 1990), é possível afirmar que houve uma sistematização da tutela coletiva no Brasil, notadamente em razão do artigo 90 do CDC.

Não obstante, a efetividade deste instrumento e das decisões proferidas em ACP passou a ser objeto de controvérsia, em razão da modificação implementada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997, que, alterando a redação anterior do art. 16 da ACP, passou a limitar os efeitos territoriais da coisa julgada erga omnes para a “competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento”.

A justificativa para a alteração legislativa, à época, baseava-se na necessidade de se evitar decisões conflitantes e de se preservar a segurança jurídica. No entanto, o efeito prático foi o oposto: a pulverização de ações coletivas com o mesmo objeto, a possibilidade de decisões contraditórias e a dificuldade de se obter uma tutela jurisdicional efetiva para os direitos coletivos.

A alteração legislativa sempre foi objeto de críticas, pois teria caminhado na contramão do Código de Defesa do Consumidor, que reforçou a ideia de que, na proteção de direitos coletivos, a coisa julgada é para todos (erga omnes) ou ultra partes, a depender do interesse coletivo tutelado na ação, sem menção a limitação territorial, além de efetivamente confundir os conceitos de coisa julgada com competência territorial.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal – STF, foi instado a se manifestar sobre a constitucionalidade do art. 16º da ACP no Tema de Repercussão Geral n. 1.075. Em 7 de abril de 2021, o Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP), alterada pela Lei n. 9494/97.

A decisão proferida reforçou a necessidade de tutela efetiva dos interesses coletivos, consolidando o entendimento de que os efeitos das sentenças proferidas em Ações Civis Públicas não devem se limitar a competência territorial do órgão prolator, uma vez que a tutela desses interesses muitas vezes transcendem os limites geográficos da comarca ou estado.

A origem do Tema 1.075 provém de Ação Coletiva ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) que pretendia a revisão de contratos de financiamento habitacional celebrados por seus associados contra diversas instituições financeiras, conforme Recurso Extraordinário n. 1101937.

Neste sentido, fixaram a seguinte tese de repercussão geral (Tema 1.075):

“I – É inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494 /1997.
II – Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990.
III – Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas”.”

Durante o julgamento, os Ministros ressaltaram que, se a ação civil pública possuir abrangência nacional ou regional, o protocolo da Ação deve ocorrer no foro, ou na circunscrição judiciária, da capital do estado ou no Distrito Federal, seguindo o artigo 93, inciso II, do CDC. Caso o alcance seja superior a um estado, a opção pela capital deve contemplar uma que esteja situada na região atingida.

Em que pese o exposto, ainda existem muitas matérias que são objeto de controvérsia, como a possibilidade de o Ministério Público promover a liquidação individual de sentença coletiva, que é objeto de Tema n. 1.270 perante o Supremo Tribunal Federal, pendente de julgamento, após pedido de vista.

Tema 1270 – Legitimidade do Ministério Público para promover a liquidação coletiva de sentença proferida em ação civil pública sobre direitos individuais homogêneos disponíveis, visando a reparação de danos individualmente sofridos pelas vítimas ou seus sucessores.

Além disso, existem dois projetos de Lei Federal tramitando perante o Congresso Nacional para estabelecer a “nova Ação Civil Pública” no país. Trata-se do PL 4778-2020 e do PL-1641/2021, o primeiro é de autoria do deputado Marcos Pereira, e o segundo do deputado Paulo Teixeira, que tramitam em apensos no Congresso Nacional.

Ambos os projetos trazem efetivos avanços para a tutela coletiva, mas também devem ser alvo de críticas, pois repetem erros anteriores, conforme se observa do art. 32, §5º do PL 1641/2021, que trata da possibilidade de conversão da ação individual em coletiva, uma vez que replica o artigo 333 do Código de Processo Civil, objeto de veto presidencial.

O Projeto de Lei apresentado em homenagem à jurista Ada  Pellegrini GrinoverPL 1641/2021, traz uma melhor sistematização procedimental e, principalmente, principiológica da Ação Civil Pública, inclusive com a previsão de alteração de outros diplomas legislativos, como o próprio Código de Processo Civil, ao introduzir no sistema normativo brasileiro a possibilidade de prova por amostragem ou estatística, desde que baseada em critérios científicos (vide art. 56 do PL 1.641/2021).

Chamamos atenção, neste sentido, para o art. 32 do PL 1641/2021, que reafirma a coisa julgada erga omnes em todo o território nacional, bem como para o art. 20 do PL 4778-2020, que afirma a impossibilidade da sentença condenatória se basear exclusivamente no Inquérito Civil para apuração dos fatos, salvo se o IC for autorizado por decisão judicial.

Como visto acima, existem temas pacificados e outros que ainda são objeto de discussão perante o Supremo Tribunal Federal, salientando-se que tramitam perante o Congresso Nacional dois importantes Projetos de Leis que buscam atualizar o procedimento da Ação Civil Pública, que completou recentemente 40 anos de vigência com importantes avanços para a tutela coletiva no país.

29 de agosto de 2025.

Marcelo Marques Caldas Terra Rios da Silveira.

OAB-MG 205.436

Referências:

(i) https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2261966

(ii) https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur448446/false

(iii) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm

(iv) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078compilado.htm

(v) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Msg/VEP-56.htm

(vi) https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6695490&numeroProcesso=1449302&classeProcesso=RE&numeroTema=1270